CONJUR – Restringir a liberdade de escolha terapêutica da mulher grávida em relação ao parto fere o princípio da legalidade, que afirma que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Foi com base neste entendimento que o juiz federal Hong Kou Hen, da 8ª Vara Cível Federal de São Paulo, suspendeu integralmente a eficácia do parágrafo 2º, artigo 5º, da Resolução CFM nº 2232/19 e parcialmente os artigos 6º e 10º da mesma norma. Os trechos permitiam que gestantes fossem obrigadas a passar por intervenções médicas com as quais não consentiam.
A decisão, publicada nesta terça-feira (17/18), responde a uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal. A instituição argumenta que a resolução fere a autonomia da mãe durante o parto, coagindo a paciente a receber tratamentos que não deseja. Entre outras coisas, a norma permite até mesmo a internação compulsória da gestante.
De acordo com o juiz do caso, “a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade são tratadas na Constituição Federal como bens jurídicos invioláveis, todos condicionados, no entanto, aos limites dispostos em lei”. Assim, prossegue, “a observância do princípio da legalidade é imposição constitucional na regulamentação dos bens jurídicos elencados em seu art. 5º”.
Ainda segundo a decisão, a resolução do Conselho Federal de Medicina resulta em ilegal restrição da liberdade de escolha terapêutica da gestante em relação ao próprio parto.
“A redação e a terminologia utilizadas pelo réu, em especial o termo ‘abuso de direito’, confere excessiva amplitude das hipóteses nas quais o médico pode impor à gestante procedimento terapêutico, pois não limitado às situações de risco à vida e saúde do feto e/ou gestante. Ora, o critério do ‘risco de vida’ como único limitador ao direito de liberdade de escolha do paciente é ampla e reiteradamente utilizado no ordenamento jurídico infraconstitucional”, afirma Hong Kou Hen.
Liberdade terapêutica
O juiz lista ainda uma série de dispositivos que visam garantir a liberdade terapêutica, como o inciso III, artigo 7º da Lei nº 8.080/90, que regulamenta o SUS; o artigo 17 da Lei 10.741/2003 (estatuto do idoso) e o inciso IV, artigo 39 da Lei nº 8.078/90 (código de proteção e defesa do consumidor).
“Assim, em exame perfunctório, a ampliação das hipóteses de afastamento da opção terapêutica eleita pelo paciente, no caso a gestante, promovida pela Resolução 2.232/19, possui vício material por violar o Princípio da Legalidade, pois flagrantemente menospreza as balizas delineadas em inúmeras leis e que asseguram a prevalência da escolha terapêutica do paciente, nas hipóteses em que não caracteriza situação de risco à saúde e/ou vida”, diz a decisão.
Por fim, o juiz determinou que o Conselho Federal de Medicina divulgue a decisão amplamente à classe médica, inclusive por meio de publicação em sua página oficial. O descumprimento será punido com multa diária de R$ 1.000,00.
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